Testemunhos de sócios do Unia sobre a ditadura, o colonialismo e a revolução
Quando Portugal brilhou com novas cores

Durante 48 anos, Portugal foi governado por uma ditadura. Mas, o inimaginável aconteceu no dia 25 de abril de 1974: num golpe de Estado meticulosamente planeado, oficiais e soldados progressistas derrubaram numa questão de horas o regime fascista. Grande parte da população civil aplaudiu o golpe militar, que ocorreu quase sem derramamento de sangue, e colocou cravos nos canos das espingardas dos soldados. Simultaneamente, a classe operária desencadeou uma verdadeira revolução e avançou com a democratização em todos os domínios. O dia 25 de abril é agora feriado nacional em Portugal. Também aqui, no Unia, a memória da Revolução dos Cravos está viva e é muito diversificada – o que não é de admirar, uma vez que o Unia tem mais de 26 000 sócios portugueses!

 

Ana Pica (60) secretária sindical, Oberengstringen ZH“Cantei a plenos pulmões!”

“O 25 de Abril mostra que o povo pode se libertar pela sua própria força. Eu tinha apenas dez anos em 1974. Mas também vi que as pessoas saíram em massa para as ruas para celebrar. Cantei a plenos pulmões o hino revolucionário “Grândola, Vila Morena”. O meu meio-irmão já tinha falecido na guerra colonial em Angola e os meus pais eram socialistas convictos. Percebi muito bem que tinham de ser extremamente cuidadosos durante a ditadura. O meu pai sempre lutou pela liberdade, mas também pela sobrevivência. Somos oriundos do Alentejo, uma região agrícola pobre, no sul. Para alguns dos meus colegas, a refeição na cantina da escola era a única verdadeira refeição do dia. A minha família vivia um pouco melhor. O meu pai era contrabandista e trazia de Espanha artigos desejados, tais como café, cigarros e perfumes. Na altura, a região era governada por um punhado de latifundiários. As mansões destes foram pintadas com a cruz suástica durante a revolução e as suas terras de pousio foram ocupadas. O povo estava muito revoltado!“


Alexandrina Farinha (63), funcionária consular, Genebra„Até hoje, não existe qualquer indicação sobre o paradeiro do meu tio“

“A minha primeira greve foi no dia 25 de abril de 1974! Eu era aluna numa pequena aldeia do Alentejo. Foi a nossa professora que nos ensinou a fazer greve. Nenhum de nós fazia ideia o que era isso. Os nossos horizontes eram muito limitados porque Portugal estava completamente isolado, era um país atrasado, onde o Estado controlava tudo: rádio, jornais, televisão, educação. Na província era ainda pior. Muitas raparigas apenas frequentavam a escola durante quatro anos, a taxa de analfabetismo era elevada, as pessoas eram pobres, incluindo nós. O meu pai ia para a fábrica ao nascer do sol e só regressava a casa depois do pôr do sol. A minha mãe trabalhava onde havia trabalho. A vida era trabalhar e só trabalhar. As pessoas morriam mais cedo. Aos 45 anos, era-se considerado velho! Sindicatos só existiam na clandestinidade. E criticar era perigoso. Quem se queixasse arriscava-se a ser apanhado e morto pela GNR. Outros foram vítimas de desaparecimentos forçados. Até hoje, não existe qualquer indicação sobre o paradeiro do meu tio. Mas o maior número de mortes registou-se durante a guerra colonial, sobretudo em Angola, Moçambique e na atual Guiné-Bissau. Os soldados eram recrutados em massa e eram carne para canhão. Por essa razão, já quase não havia homens jovens na minha aldeia. Ou estavam no exército ou tinham fugido para o estrangeiro. A nossa revolução também começou nas ex-colónias. Os próprios soldados queriam acabar com esta guerra sem sentido. E de repente soprou um vento completamente diferente. De um dia para o outro, Portugal passou a brilhar com cores novas. Cartazes, panfletos, bandeiras por todo o lado. E grandes multidões nas ruas. E depois a música… finalmente, a rádio podia passar todas as canções proibidas. Havia centenas de canções novas ao mesmo tempo, uma variedade incrível. Fiquei muito entusiasmada com tudo aquilo e atirei-me à luta, cheia de energia.”


Ângela Tavares (48), secretária sindical, Siders VS„A minha mãe esteve no campo de concentração“

„Para mim, o 25 de abril significa sobretudo liberdade, algo que os meus pais não tiveram durante muito tempo. A minha família é oriunda de Cabo Verde, uma ex-colónia portuguesa. Havia pobreza e até fome. E porque a minha mãe, quando era jovem, dizia coisas que não agradavam ao regime, foi presa e colocada na prisão dos serviços secretos no Tarrafal. Era um campo de concentração para presos políticos e ativistas dos movimentos independentistas anticolonial. Mais tarde, ela conseguiu fugir para Lisboa, onde participou na revolução. Deve ter sido um ambiente de festa popular único. A minha mãe contou-me que dançou com os soldados insurretos e que também bebeu um pouco mais do que devia. Quando chegou a casa, de madrugada, só tinha um sapato calçado”.


João Carvalho (54), maquinista da construção civil, Genebra“A nossa liberdade não caiu do céu”

“Na minha terra, não sentimos muito a revolução. Sou do norte do país, que é completamente diferente do Alentejo, na altura o centro da revolta. Lá, as pessoas trabalhavam na agricultura e estavam sob o jugo de alguns latifundiários. Na minha terra, pelo contrário, todos eram pequenos agricultores que possuíam um pedaço de terra. O meu pai tinha vinhas, oliveiras, uma horta e alguns animais, o que assegurava a subsistência da nossa família, composta por sete pessoas. Mas, claro, a polícia também estava por todo o lado e era preciso ter cuidado com o que se dizia. A maior parte da geração dos meus pais não sabia ler nem escrever. A ditadura queria que as pessoas trabalhassem em vez de estudarem. Porque quanto menos um povo sabe, mais fácil é controlá-lo. Atualmente, a extrema-direita está novamente em ascensão. Muitos dos meus conterrâneos na Suíça também votaram no Chega, partido xenófobo. Apesar de nós próprios sermos imigrantes aqui! Por isso, temos de mostrar mais claramente que as nossas liberdades e os nossos direitos não caíram do céu, mas foram conquistados a custo. Muitas pessoas esqueceram-se disso, especialmente os jovens!“


António dos Santos Pinto (85), engenheiro eletrotécnico aposentado, Zurique“Os serviços secretos seguiam-nos constantemente”

“A ditadura de Salazar marcou a minha vida desde muito cedo, uma vez que nasci em Angola, uma ex-colónia. Foi lá que terminei o ensino secundário (12.° ano). Mas não havia universidades, porque os colonialistas assim queriam. No entanto, todos os anos, havia bolsas de estudo para cinco alunos que podiam ir estudar em Portugal. Como eu era o melhor da turma, podia candidatar-me. Mas os administradores fizeram tudo para que eu não fosse aceite por ser de raça negra e para que um colega branco ficasse com a bolsa. Só com a ajuda dos meus professores, que serviram de intermediários junto dos serviços sociais, consegui um lugar na Universidade do Porto.

No entanto, um funcionário público voltou a colocar obstáculos no meu caminho. Tratava-se de um mestiço e estava acima de mim na hierarquia racista de classes. Os portugueses instalaram esta hierarquia, que ainda hoje existe, em todas as suas colónias. No topo estavam os brancos, depois os “mestiços” e finalmente nós, os negros. Estes grupos foram depois subdivididos. Entre nós, negros, havia os “assimilados” e os “indígenas”, estes últimos podiam ser obrigados a trabalhar como “contratados”, o que não era mais que serem reduzidos à escravatura. Eu fazia parte dos “assimilados”. Foi-nos concedida a cidadania. Em contrapartida, só podíamos falar e escrever em português. Tínhamos de adotar a cultura europeia, cumprir o serviço militar e convertermo-nos à religião católica. Deixámos de poder ouvir música africana e só podíamos comer à mesa com garfo e faca. Tudo isto era controlado em casa.

Consegui ir para Portugal no final de 1960. Lá, nós, africanos, éramos constantemente seguidos pelos serviços secretos, sobretudo porque a luta pela independência tinha começado em Angola. E se a polícia encontrasse três negros na rua, dispersava o grupo.

Na universidade, as coisas não eram melhores. Uma vez, o reitor tentou obrigar-me a fazer um discurso. Eu tinha de dizer que Angola faria parte de Portugal para sempre. É claro que eu não podia dizer tal coisa, eu já tinha fundado um grupo de resistência clandestino quando era estudante. Eu respondi que era um péssimo redator de discursos. O reitor respondeu-me que ele mesmo iria redigir o texto. A situação só não se agravou porque fugi a tempo para França com um grupo de estudantes africanos. Mas os franceses não nos queriam lá. A própria França era ainda uma potência colonial e estava a travar uma guerra contra o movimento de independência da Argélia. Acabámos por ir parar à Suíça através de Heks, uma organização evangélica de assistência. Só conseguimos ficar aqui graças ao apoio desta organização.

Angola tornou-se independente a 11 de novembro de 1975, após 15 anos de guerra. Sem a luta de resistência anticolonial, não teria havido a Revolução dos Cravos.

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